(Tradução do original espanhol, escrito por Luis Heriberto Rivas, Sacerdote da Arquidiocese de Buenos Aires, licenciado em Teologia pela Universidade Católica Argentina e em Sagradas Escrituras pela Comissão Bíblica do Vaticano)

domingo, 2 de dezembro de 2007

1 – Comunidade a que se destinou

O autor deste Evangelho é um predicador que se encontrava frente a uma comunidade viva; conhecia quais eram as suas inquietudes, deficiências, meio cultural, como reflectiam, e soube falar de Jesus numa linguagem que todos podiam captar.
Diz-se que o Evangelho de Mateus surgiu por volta do ano 80, numa comunidade da Palestina ou Síria (talvez Antioquia), formada por judeus que tinham aceitado Jesus. Isto pode-se ver através de alguns indícios:

· Mateus 5, 23-24 – É o único Evangelho que reproduz esta fala do Senhor: “Se fores apresentares uma oferta sobre o altar…”. Supõe-se que os destinatários do Evangelho iam ao Templo de Jerusalém para oferecer sacrifícios.

· Mateus 24, 20 – (comparar com Marcos 13, 18); Só Mateus supõe, que para os seus leitores, uma fuga, pode ser problemática em dia de sábado.

· Quando fala das sinagogas dos judeus, diz sempre: “As sinagogas deles” (4, 23; 9, 35; 10, 17; 12, 9), como se houvessem outras, isto é, “as nossas”. Os destinatários do Evangelho reúnem-se em sinagogas.

Era uma comunidade que manejava muito bem a Sagrada Escritura, em que se predicava usando o Antigo Testamento. Era ainda uma comunidade que tinha as mesmas preocupações do povo judeu desse tempo: a vinda do Reino dos Céus e a chegada do Messias. Isso explica algumas das características do Evangelho: Mateus remete constantemente o leitor ao Antigo Testamento. Algumas vezes de forma explícita, narrando algum feito: “Isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz…”. Mas a maioria das vezes não acontece assim. Ele já sabe que a sua gente conhece a Sagrada Escritura, e basta-lhe introduzir frases, feitos ou formas de linguagem que para os seus ouvintes eram familiares, para suscitar-lhes a lembrança de algum texto do Antigo Testamento.

2 – Mensagem central de São Mateus

Mateus apresenta Jesus como o Filho de David, o herdeiro do Reino (2 Samuel 7, 12-14), e também como o Emanuel (“Deus connosco”), da profecia de Isaías (7, 14). No entanto, o título que mais lhe interessa é o de Filho de Deus. A imagem de Cristo apresentada por Mateus é a do enviado de Deus, na qual se vão cumprir todas as expectativas do Antigo Testamento. Cristo é a realização de tudo o que fala o Antigo Testamento; dito de outra maneira, Mateus contempla todos os personagens do Antigo Testamento como figuras de Cristo, enquanto que Cristo é a realidade, na qual tudo se cumpre. É como se tudo o que dizia a Sagrada Escritura até então, fosse algo vazio que agora se enche, ou como um desenho que agora tem de se terminar de pintar.
Mateus fala frequentemente do “Reino de Deus”, ou do “Reino dos Céus”, dando preferência a esta última expressão, sem fazer aparentemente distinção entre as duas formas. Os outros evangelistas, ao contrário, usam mais a primeira. É notável a frequência com que Mateus se refere ao Reino: enquanto Mateus refere-o 50 vezes, Marcos refere-o somente 14 e Lucas 39.
Deve-se recordar que a “Boa Nova” consiste em Deus que vem reinar sobre o seu povo. O Reino dos Céus não é algo que está exclusivamente do outro lado (no Céu), mas sim, que vem a este mundo: Deus vem exercer a sua função de Rei, transformando tudo, tanto o mundo, como os homens. O Reino dos Céus vem a este mundo, começa a ganhar forma na terra, e terá a sua consumação nos Céus. São Mateus preocupa-se em mostrar que a boa nova da chegada do Reino dos Céus dá-se na pessoa de Jesus Cristo. O Reino dos Céus anunciado e preparado no Antigo Testamento já está presente em nós, porque Jesus é o cumprimento de todas as profecias.
Jesus forma uma comunidade, na qual se começam a manifestar os sinais da presença do Reino. São Mateus é o único evangelista que dá o nome de “Igreja” a esta comunidade (Mateus 16, 18).

3 – Forma de Relatar

Comparando a redacção dos relatos do Evangelho de São Mateus com a de Marcos, é fácil ver que Marcos abunda em detalhes e apresenta passagens cheias de movimento e cor. São Mateus, ao contrário, elimina todos os detalhes, deixando as passagens na penumbra e destaca só Jesus. Se existisse só o Evangelho de Mateus, dificilmente se poderia imaginar como aconteceram os factos, já que nas narrações prescinde dos detalhes. Cristo, em Mateus, é muito sóbrio nos seus movimentos, muito autoritário, majestoso: é o Cristo, Filho de Deus, o Senhor da Igreja.

4 – Ordem do Evangelho

Para ordenar o seu material, Mateus faz um trabalho “de ficheiro”. Procura frases, expressões, parábolas de Jesus, e agrupa tudo por temas formando um só discurso. Desta forma, obtém algo que é característico deste Evangelho: discursos extensos, nos quais está tudo o que Jesus disse sobre um determinado tema e que nos outros evangelhos se encontra disperso por diversos lugares. Ordena da mesma maneira os feitos de Jesus: agrupa-os sem uma ordem cronológica nem geográfica; os milagres, por exemplo, ficam agrupados entre os capítulos 8 e 9.

5 – Plano do Evangelho

Os comentaristas e as bíblias impressas propõem divisões distintas do Evangelho de Mateus. Aqui se propõem as que tomam como referência os cinco longos discursos deste Evangelho e que terminam todos com frases idênticas:

1º Discurso: capítulos 5-7; termina 7, 28 – “Quando Jesus acabou de falar…”
2º Discurso: capítulos 10; termina 11, 1 – “Quando Jesus acabou de dar…”
3º Discurso: capitulo 13; termina 13, 53 – “Depois de terminar estas parábolas…”
4º Discurso: capitulo 18; termina 19, 1 – “ Quando acabou de dizer estas palavras…”
5º Discurso: capítulos 24-25; termina 26, 1 – “ Tendo acabado todos estes discursos…”

Os cinco discursos terminam com estas frases que indicam que ali se põe um ponto final, para começar com algo novo. O último termina dizendo que ali se finalizam “todos” os discursos (26, 1). Entre um e outro, estão os relatos que contêm os feitos de Jesus, de modo que o Evangelho de Mateus está formado por uma sucessão de feitos e discursos alternados. Poderia considerar-se como cinco blocos compostos, cada um por uma sucessão de relatos e um discurso. No princípio e no final do livro destacam-se dois relatos largos muito diferentes dos restantes: a infância de Jesus (capítulos 1-2) e a Paixão e Ressurreição (capítulos 26-28). Deste modo, completa-se num número de sete blocos:

1º-- Capítulos 1-2: Infância do Senhor
2º-- Capítulos 3-4: Relatos / Capítulos 5-7: Discurso
3º-- Capítulos 8-9: Relatos / Capítulo 10: Discurso
4º-- Capítulos 11-12: Relatos / Capitulo 13: Discurso
5º-- Capítulos 14-17: Relatos / Capitulo 18: Discurso
6º-- Capítulos 19-23: Relatos / Capítulos 24-25: Discurso
7º-- Capítulos 26-28: Paixão e Ressurreição

Observados em detalhe, cada um destes blocos contêm um tema. Os relatos e o discurso estão intimamente ligados, de modo que, quando se lê o relato, é necessário ver qual é o discurso que se segue, para poder compreender bem toda a passagem. Assim como quando se lê o discurso, deve-se ter em conta primeiro qual o relato que o antecede, porque estes preparam o discurso.
Ao ordenar o Evangelho desta forma, vê-se também que o interesse histórico é secundário. Mateus parte dos feitos históricos, mas não para ficar-se pela reprodução da história de Jesus, e sim para ensinar-nos quem é Jesus para a fé do leitor.
Tem também interesse didáctico. Diz-se que Mateus é um bom catequista, e por isso procura recursos para que os seus leitores possam memorizar os seus ensinamentos. Olhando atentamente para o plano dos sete blocos que foram expostos anteriormente, observa-se que os discursos mais largos estão nos extremos (1º Discurso: capítulos 5-7; 5º Discurso: capítulos 24-25). Estes dois são os únicos que Jesus faz estando sobre uma montanha (5, 1 e 24, 3). O terceiro discurso (que fica no centro) está num nível inferior: sobre a superfície da água (13, 2), e contêm as sete parábolas sobre o Reino dos Céus (no centro dos setes volumes, estão as sete parábolas). Há sete petições do Pai-Nosso (6, 9-13), sete parábolas (capitulo 13), sete lamentos sobre os escribas e fariseus.

6 – Primeiro Livro: A Infância de Jesus (Capítulos 1-2)

O primeiro bloco caracteriza-se pela genealogia de Jesus (1, 1-17) e por breves passagens que culminam com citações do Antigo Testamento (1, 23; 2, 5-6; 2, 15; 2, 18; 2, 23). A genealogia pretende mostrar Jesus como o herdeiro das promessas feitas a Abraão e a David. No Antigo Testamento, Deus prometeu a Abraão inúmeras bênçãos, uma terra e uma descendência sem número (Génesis 12, 1-3; 15, 5; 22, 15-18, etc.), e a David um trono perpétuo (2 Samuel 7, 12-16; Salmos 89, 21-38; 132, 11-12). São Mateus coloca esta genealogia no início do livro para relacionar todas aquelas promessas com a pessoa de Jesus. Ele é Aquele de quem já se falou no tempo dos Patriarcas e dos Profetas.
A primeira passagem (1, 18-25) relata os receios de José, perante a gravidez de Maria, com uma clara referência à profecia de Isaías 7, 14. José é descendente de David e na sua família nascerá um filho de uma virgem. Portanto, Jesus é o Emanuel de quem falou o profeta. José, ainda que não sendo o seu pai, deverá recebê-lo na família, ponde-lhe o nome, e com isso, ficará ligado à família de David.
A segunda passagem (2, 1-15) narra a visita dos Magos, para fazer ver que tanto os pagãos como os judeus chegam a conhecer Jesus. Os pagãos são advertidos do nascimento de Jesus por uma estrela, enquanto que os judeus, sabem-no lendo as Escrituras. Isto fica artisticamente representado na passagem que se desenvolve frente a Herodes, com os Magos de um lado e os sacerdotes do outro: cada um deles tem o seu argumento, mas todos coincidem em Jesus. O rei, por sua vez, ordena a morte do Menino.
A parte em que os magos vêm visitar Jesus com presentes, pode-se associar com o relato da visita da Rainha de Saba a Salomão (1 Reis 10, 1-13). A Rainha de Saba veio com uma quantidade de presentes a Jerusalém porque ouviu falar da sabedoria de Salomão. Também Isaías falou de pagãos que viriam do Oriente com presentes de ouro e incenso para cantar louvores a Deus (Isaías 60, 1-6). No Evangelho mostra-se estes magos do Oriente, considerados sábios no seu próprio meio, que chegam com presentes e prostram-se diante de Jesus.
A terceira passagem (2, 16-18) fala da matança dos inocentes. Recorda os relatos do livro do Êxodo (capítulos 1-2): a matança dos meninos israelitas e a salvação de Moisés, que por usa vez devia salvar o povo. A frase de Mateus em 2, 20, reproduz as palavras do Êxodo em 4, 19, convidando o leitor a fazer essa associação. Ao narrar o retorno, cita-se o texto do profeta Oseas 11, 1: o povo de Israel, ao sair do Egipto, também foi figura de Cristo, porque foi chamado “Filho de Deus” (Êxodo 4, 22-23).
Desta leitura rápida pode-se tirar esta conclusão: Mateus narrou desta forma a infância de Jesus, para proclamar que Jesus é o Herdeiro das promessas feitas a Abraão e a David (Genealogia), é o descendente de David anunciado pelos Profetas (1ª passagem), reúne os traços de Salomão, o sábio (2ª passagem) e de Moisés, o salvador do povo (3ª passagem). Os pagãos vêm a Ele com presentes, como o tinham anunciado os profetas (2ª passagem).

7 – Segundo Livro: O Anúncio do Reino dos Céus (capítulos 3-7)

Este segundo livro abre-se com a predicação de João Baptista (3, 1-12). São João aparece anunciado pelos Profetas (3, 3) e está vestido como o profeta Elias (2 Reis 1, 8). Noutras partes do seu Evangelho, Mateus dirá que o Baptista é mesmo Elias (11, 13-14; 17, 10-13). Apresentado como profeta, João Baptista anuncia a chegada de Jesus com citações dos anúncios do Juízo, do Antigo Testamento (Mateus 3, 7-12).
Na passagem do baptismo de Jesus (3, 13-17) o céu abre-se, descendo o Espírito Santo, e do Alto ouve-se a voz do Pai que proclama Jesus como o Messias anunciado nos Salmos e nos Profetas. A todos os títulos, com os quais Jesus foi apresentado até esta parte no Evangelho, agora acrescenta-se aquele que dá o próprio Deus: Jesus é o Filho de Deus. As palavras do Pai reproduzem expressões que também se encontram no Antigo Testamento: Salmos 2, 7 sobre o Rei Messias; 2 Samuel 7, 14 na promessa sobre o Filho de David (“Este é o meu Filho”); Isaías 42, 1 sobre a profecia do Servo de Javé (“Em que me comprazo”). Em resumo, na cena do baptismo, Jesus é proclamado pelo Pai como o Messias anunciado nos Salmos e nos Profetas.
Na passagem das tentações (4, 1-11), Satanás põe à prova a condição de “Filho de Deus” que tem Jesus: “Se és Filho de Deus…”. A passagem está relatada de tal modo, que a cada sugestão de Satanás, Jesus responde com uma frase tirada do Livro do Deuteronómio: Mateus 4, 4 = Deuter. 8, 3; Mateus 4, 7 = Deuter. 6, 16; Mateus 4, 10 = Deuter. 6, 13. Estes capítulos do Deuteronómio contêm um sermão de Moisés ao povo onde se recordam as tentações que padeceu Israel durante os quarenta anos no deserto, e recrimina-o porque não soube ser fiel a Deus. Mateus mostrará em distintas partes do seu Evangelho, as tentações que teve de padecer Jesus vindas daqueles que o rodeavam: de muitas maneiras tentaram separá-lo do caminho que lhe tinha sido indicado pelo Pai (16, 1; 16, 23; 19, 3; 22, 18; 22, 35; 27, 39-44), mas Ele permaneceu sempre fiel.
Ao começar o Evangelho, Mateus reuniu todas estas tentações num resumo, para manifestar o contraste entre a atitude do povo de Israel no deserto e a de Jesus perante a tentação. Cada vez que o povo foi posto à prova (pela fome e sede no deserto, ou por idolatria dos outros povos) caiu sempre vencido. Jesus, ao contrário, colocou-se na mesma situação do povo e saiu vencedor. Para que se compreenda bem, Mateus descreveu Jesus como padecendo as mesmas tentações do povo, e em cada caso apresentou-o firme perante a tentação e respondendo com uma frase do Deuteronómio que expressa a vontade de Deus: Ele é o Filho que segue fielmente a vontade do Pai.
A parte dos relatos conclui-se com a actividade de Jesus que chama os discípulos (4, 18-22), predica ao povo e cura os doentes (4, 23-25). Jesus anuncia a chegada do Reino (4, 17) como o tinha feito João Baptista (3, 2). Perante este anúncio de Jesus e aos milagres que realiza, reúne-se a multidão e tem lugar o primeiro discurso.
O discurso do segundo livro (capítulos 5-7) é uma introdução de Jesus a toda a multidão que veio, por Ele ter anunciado a chegada do Reino. O discurso é chamado “Sermão da Montanha”, devido ao lugar onde Jesus o predicou. Não é difícil perceber o motivo pelo qual São Mateus escolhe este lugar para apresentar o sermão: Jesus, rodeado por uma multidão, sobe a uma montanha (5, 1) e começa um discurso no qual recorda os mandamentos de Moisés e dá-lhes uma nova interpretação (5, 18; 19, 21.27.31.33.38.43); como que parecendo um novo Moisés que supera o anterior, alguém maior que Moisés. A passagem associa-se sem dificuldades com a do Monte Sinai (Êxodo 19, 20).
O Sermão da Montanha começa com as Bem-Aventuranças (5, 3-12). Trata-se de uma forma literária muito comum na Bíblia, como que a felicitar alguém por alguma qualidade ou bem que possua. Neste caso, Jesus felicita aqueles que têm condições para ingressar no Reino dos Céus. No Antigo Testamento, os piedosos recebem o nome de pobres (de espírito), mansos, os que são misericordiosos, etc. (Isaías 49, 8-13; 61, 1-3; Salmos 37, 11). Todos os que têm essas qualidades são os cidadãos do Reino de Deus que se faz presente.
Depois de felicitar aqueles que recebem o Reino, Jesus passa a expor qual é o comportamento que corresponde a esta nova situação. Para isso, lembra alguns mandamentos explicando o sentido que têm agora, já que “o Reino está próximo” (5, 17-48). Já não se trata da antiga lei de Moisés, mais ligada ao exterior do homem, mas sim de uma mudança de coração que o leva a ter atitudes cada vez mais perfeitas. O ideal proposto é a perfeição que tem o Pai celestial (5, 48).
Depois dos mandamentos vêm as práticas de piedade (6, 1-18): a esmola, a oração e o jejum são recordados para indicar a forma em que se devem cumprir na etapa do Reino.
O resto do sermão (6, 19-7, 37) está constituído por ensinamentos diversos, que se referem ao comportamento daqueles que aspiram entrar no Reino dos Céus.
Em conjunto, este segundo livro do Evangelho de São Mateus mostra-nos o princípio do Reino dos Céus: Jesus é anunciado e proclamado como Filho de Deus, nas tentações cumpre a vontade do Pai como verdadeiro Filho e no sermão ensina-nos a cumprir essa mesma vontade de Deus, para poder-mos receber o Reino dos Céus (5, 20) e ser também filhos de Deus (5, 45).

8 – Terceiro Livro: O Poder do Reino dos Céus (capítulos 8-10)

A parte dos relatos está constituída por uma série de 10 milagres:

1- Cura do leproso (8, 1-4)
2- Cura do servo do centurião (8, 5-13)
3- Cura da sogra de Pedro (8, 14-15)
4- A tempestade acalmada (8, 23-27)
5- Libertação dos possessos de Gádara (8, 28-34)
6- Cura do paralítico (9, 1-8)
7- Cura da mulher com hemorragia (9, 20-22)
8- Ressurreição da filha de Jairo, chefe da sinagoga (9, 18-19; 23-26)
9- Cura dos dois cegos (9, 27-31)
10- Cura do mudo possesso (9, 32-33)

Interrompendo a série de milagres, aparecem alguns textos que contêm outro tipo de “material”:

1- Resumo da actividade de Jesus (8, 16-17)
2- Condições para seguir Jesus (8, 18-22)
3- Chamamento de Mateus (9, 9)
4- Comer com os pecadores e discussões (9, 10-17)
5- Resumo da actividade de Jesus; Jesus e as multidões (9, 35-38)

Como o relato da cura da mulher com hemorragia (7) forma uma só unidade com aquele da ressurreição da filha do chefe da sinagoga (8), os 10 milagres concentram-se em nove relatos e o bloco fica formado da seguinte maneira:

1- Três relatos de milagres (8, 1-15)
2- Resumo da actividade de Jesus e frases sobre a vocação (8, 16-22)
3- Três relatos de milagres (8, 23 - 9, 8)
4- Chamamento de Mateus, refeição com os pecadores e discussões (9, 9-17)
5- Três relatos de milagres (9, 18-34)
6- Resumo da actividade de Jesus (9, 35-38)

Com os milagres, Jesus torna puro o leproso “impuro” (8, 2-3), cura um pagão (8, 5-13), tem poder sobre a natureza (8, 26-27), sobre os demónios (8, 28-34), sobre a morte (9, 25) e perdoa os pecados (9, 1-8). No centro dos relatos dos milagres, destaca-se a passagem em que Jesus come na mesma mesa com os pecadores (9, 10-13). De diversas maneiras, o Reino vai se tornando presente.
Deve-se prestar atenção, que em vários relatos, se fala mais na situação religiosa das pessoas beneficiadas, que na sua condição de doente: o leproso é um “impuro” (8, 2-3), o centurião é um pagão (8, 10-13), ao paralítico são-lhe perdoados os pecados (9, 2). Os milagres aparecem como sinais exteriores de uma mudança mais profunda, que Jesus vai provocando com a sua presença no mundo. Por essa razão, coloca-se no centro a passagem de Jesus comendo com os pecadores. Estes “feitos” de Jesus orientam para o discurso que vem como continuação: Jesus compadece-se da multidão, porque estão como ovelhas sem pastores; então, escolhe os Doze Apóstolos (9, 35 – 10, 1-4) e envia-os com o seu mesmo poder, para que façam o que Ele faz (10, 5-15): destruir o poder dos demónios e do pecado; termina com indicações precisas para a missão (10, 16-42).
Esta terceira parte do Evangelho mostra o poder do Reino dos Céus; Cristo é Aquele que tem esse poder e demonstra-o fazendo milagres e perdoando os pecados, ao mesmo tempo que expulsa os demónios; mas logo a seguir, transmite este poder aos Doze, de modo que esse poder se perpetue na Igreja.

9 – Quarto Livro: O mistério do Reino dos Céus (capítulos 11-13)

A secção de relatos, que ocupam os capítulos 11 e 12, mostra passagens distintas onde Jesus é incompreendido. Certamente a personalidade de Cristo supera tudo o que pode captar o homem, de modo que, mesmo os bens intencionados, não podem compreendê-lo.
A primeira passagem (11, 2-15), é o caso de João Baptista que envia os seus discípulos a perguntar a Jesus: “És tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar outro” (v.3). Já se falou desta passagem; João Baptista tinha apresentado Jesus com as características do Juiz que viria castigar os pecadores (3, 7-12); agora, assusta-se por Jesus comer com os pecadores (9, 10-17), perdoando-lhes e não os castigando. Jesus responde remetendo-o aos textos do Antigo Testamento onde os profetas anunciam tempos em que a misericórdia de Deus levará à salvação. Ele é aquele que estava para vir, porque realiza a salvação anunciada pelos profetas.
A seguir, estão as palavras de Jesus referentes às pessoas dessa época (11, 16-19) que não aceitam João Baptista, porque é muito austero, nem mesmo aceitam Jesus, porque é amigo dos pecadores. Depois vêm as palavras referentes às cidades onde predicou (11, 20-24), porque não se converteram. No entanto, Jesus dá graças ao Pai, porque foi aceite pelos pobres e pelos pequenos, ainda que os homens chamados “sábios e inteligentes” não o compreenderam nem o receberam (11, 25-30). Os fariseus também não o compreenderam: reprovam os discípulos (12, 1-8) e a Jesus (12, 9-14) porque não respeitam o descanso de sábado; vendo Jesus fazer um milagre, dizem que o fez por este ter o poder do príncipe dos demónios, em vez de o reconhecerem (12, 22-37); mais adiante, pedem-lhe um milagre para contemplá-lo como um espectáculo (12, 38-45): eles não compreendem o verdadeiro valor do poder de Jesus; Ele dá-lhes um sinal de outra espécie: a Ressurreição, prefigurada por Jonas (12, 40); finalmente, está a mãe de Jesus que vem com os seus familiares buscá-lo (12, 46-50), o que dá oportunidade a Jesus, para que explique qual é a sua verdadeira família e de que natureza são os vínculos que Ele tem com os crentes: os laços da nova família são mais fortes que os laços de sangue.
Tudo isto demonstra que Jesus não é compreendido. Em cada uma das cenas, Mateus dá exemplos cada vez mais dolorosos de pessoas que não chegam a entendê-lo: desde João Baptista a Maria que, sem dúvida, são bem intencionados, até aos que não querem crer pela dureza do seu coração. Há bem intencionados e há mal intencionados, mas há um só resultado: a mente dos homens não chega para compreender o mistério de Jesus e o mistério do Reino. Perante esta falta de compreensão ou de dificuldade em compreender, Jesus explica de uma maneira mais fácil e mais simples, qual é o mistério do Reino dos Céus: através das sete parábolas reunidas no discurso que se encontra no capitulo 13.
A parábola era a forma mais comum de ensinar por parte dos rabinos daquela época. O mestre, para explicar um aspecto do seu ensinamento, fazia uma comparação, que muitas vezes consistia num relato. No caso do Evangelho, Jesus diz: “O Reino dos Céus é semelhante…”. Com esta forma de começar as parábolas, queria dizer que toda a situação tratada na parábola era semelhante ao Reino e não cada um dos seus detalhes. Não se deve procurar um sentido para cada coisa que se menciona: o Reino não é semelhante a um rei, ou a um homem, nem a um tesouro, etc., ainda que use essa forma de falar. A comparação deve ser tomada no seu conjunto; então, o Reino parece-se à situação que se dá quando um rei…, quando um homem…, etc. Toda a parábola tem um só significado. A comparação tinha como finalidade deixar o discípulo a pensar.
A parábola é uma forma fácil de ensinar, mas nem sempre facilita a compreensão, porque ao narrar as coisas através de um conto, existe o perigo de que o ouvinte fique-se pelo conto, sem compreender o significado. Os que estão bem intencionados ficam-se interrogando, continuam investigando e reflectindo para compreender cada vez melhor. Pelo contrário, aqueles que estão mal intencionados, ouviram uma quantidade de relatos muito interessantes, mas não irão ao fundo da questão, pelo que ficarão sem conhecer o mistério do Reino. A parábola é um prémio para o bem intencionado, ao mesmo tempo que é um castigo para o mal intencionado. Sendo assim, a parábola é clara para quem continua reflectindo e obscura para quem não o faz; Jesus explica-o com um texto do profeta Isaías: “…Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis” (Isaías 6, 9-10; Mateus 13, 14-15). As sete parábolas do Reino dos Céus são:

1 – O semeador (13, 3-9; 13, 18-23)
2 – O trigo e o joio (13, 24-30; 13, 36-43)
3 – O grão de mostarda (13, 31-32)
4 – O fermento e a massa (13, 33)
5 – O tesouro no campo (13, 44)
6 – A pérola de grande valor (13, 45-46)
7 – A rede (13, 47-50)

1 – A parábola do semeador explica que o Reino dos Céus produzirá o seu fruto de maneira abundante, apesar de toda a oposição e má disposição que encontre.

2 – A parábola do trigo e do joio é uma resposta àqueles que querem que se faça o Juízo e se condene agora os pecadores: há que esperar, porque o mal será retirado deste mundo só no fim. Enquanto este fim não chega, o bem e o mal estarão presentes no mundo.

3 – A parábola do grão de mostarda responde àqueles que não crêem que o Reino já está presente, porque só vêem o seu começo modesto. O Reino já existe, mas a plenitude só virá no fim. A parábola mostra o contraste entre a pequenez da semente e a grandeza da planta.

4 – A parábola do fermento e da massa ensina que o Reino tem de se introduzir no mundo e envolvê-lo todo: não deve permanecer separado.

5 e 6 – As parábolas do tesouro e da pérola são semelhantes. Numa, alguém encontra por casualidade algo muito valioso (o tesouro); na outra, o objecto valioso encontra-se no final da busca (a pérola); nas duas deve-se vender tudo para adquirir o objecto de grande valor. O encontro do objecto produz tamanha alegria, que para adquiri-lo deixa-se tudo o que se possui. Perante a alegria do Reino, tudo o resto pouco importa (Mateus 11, 21).

7 – Com a parábola da rede, ensina-se que se deve anunciar o Reino a todos sem excepção. A separação dos dignos e dos indignos, de bons e maus, não acontecerá senão no final dos tempos.

10 – Quinto Livro: A disciplina do Reino dos Céus (capítulos 14-18)

Depois de Jesus ser rejeitado pelos seus (Nazaré), diz-se que Herodes relaciona João Baptista com Jesus (14, 1-2), e recorda-se que João foi martirizado (14, 3-12). O facto de João Baptista ser envidado para a morte, é como um prelúdio do que está reservado para Jesus, por isso, Ele afasta-se (14, 13). Isto dá lugar a uma série de passagens que formam a parte dos relatos desta quinta parte: os capítulos 14-17.
Há duas multiplicações de pães: uma em território judeu (14, 13-21) e outra em território pagão (15, 32-39); em ambas, são os discípulos de Jesus que têm de intervir e distribuir o pão à multidão.
Destacam-se algumas passagens em que Pedro tem um papel importante: Jesus caminha sobre as águas (Pedro também o faz:14, 22-33); quase todos dão respostas erradas sobre quem é Jesus, somente Pedro dá a resposta correcta, fazendo-o através de uma iluminação especial (inspiração) de Deus. Então, Jesus anuncia que Pedro será a pedra fundamental da Igreja (16, 13-20); quando Jesus se transfigura, fá-lo na presença de alguns discípulos eleitos, e um deles é Pedro (17, 1-8); por último, Jesus pagará os impostos do templo com uma só moeda, fazendo-o por Si e por Pedro (17, 24-27). Algumas destas cenas estão somente no Evangelho de Mateus e não nos outros.
Depois de todas estas passagens e de outras que se referem aos discípulos, conclui-se com o discurso (capitulo 18). Começa com uma pergunta dos Apóstolos (18, 1): “Quem é o maior no Reino dos Céus?”. É compreensível que se faça esta pergunta, depois das passagens em que Pedro foi apresentado num lugar tão especial. Jesus responde com um discurso no qual mostra a ordem ou a disciplina que rege o Reino dos Céus que vem à terra.
Jesus falou de “edificar a Igreja” (16, 18) sobre a pedra fundamental que é Pedro, pelo que se vê que o Reino dos Céus já começa a mostrar-se nesta comunidade chamada “Igreja”. O Evangelho de Mateus é o único que usa a expressão “Igreja”, e fá-lo somente nos textos: 16, 18 e 18, 7 (ambas neste quinto livro). Esta Igreja ordena-se à volta de um pastor que é Pedro, e neste discurso do capítulo 18 dar-se-ão as normas: Jesus não responde directamente à pergunta dos Apóstolos “Quem é o maior no Reino dos Céus?”, mas começa a explicar como se deve comportar aquele que é o maior: “Deve fazer-se pequeno (humilde)” (18, 4). A palavra “pequeno” é a palavra predilecta de Mateus para designar os cristãos (ver 10, 42). Já apareceu de outra forma no Sermão da Montanha quando se referiu aos que “têm alma de pobre” e são “mansos” (5, 3-4). Essa condição de pequenez, de humildade, será para São Mateus a distinção do cristão. Quando diz “os pequenos, meus irmãos”, está-se referindo aos discípulos de Jesus. Por isso, continuará no discurso dizendo que é preciso preocupar-se com os pequenos, tendo cuidado para não lhes por pedras de tropeço na fé (18, 5-7), assim como tem de cuidar de si mesmo para não pecar (18, 8-10); todos aprendem com a parábola da ovelha perdida que se deve procurar (trabalhar) sempre, “porque o Pai que está no céu não quer que se perca nem um só dos pequenos” (18, 12-14); e com as instruções sobre a correcção ao irmão que peca (18, 15-18) nesta altura do discurso, intervem Pedro perguntando a Jesus quantas vezes se deve perdoar ao seu irmão (18, 21): ele que é o “maior no Reino dos Céus”, deve cuidar da comunidade, e Jesus responde que deve procurar o que está perdido, perdoá-lo e corrigi-lo “não só sete vezes, mas setenta vezes sete” (18, 22); a seguir é narrada a parábola do servo ao qual se perdoou muito e a seguir foi castigado porque não soube perdoar um dívida pequena (18, 23-25). Aquele que tem ao seu cuidado a comunidade, tem de perdoar sempre, porque a ele, o Senhor perdoou muito mais.

11 – Sexto Livro: A consumação do Reino dos Céus (capítulos 19-25)

Na parte narrativa, este livro (capítulos 19-23) contem parábolas que descrevem a forma em que o povo resiste ao chamamento de Deus, e uma série de polémicas de Jesus com os seus adversários quando já se aproxima a Paixão. De modo que, nesta parte, vai crescendo o dramatismo que conduz directamente ao Calvário. Através das parábolas e discussões, percebe-se a intenção dos homens em sufocar o Reino dos Céus. Este Reino que chega com Jesus, é posto em perigo por um grupo de pessoas que endurecem o seu coração e terminam engendrando a morte do Senhor. Destacam-se: a parábola dos trabalhadores da vinha (20, 1-16), a entrada de Jesus em Jerusalém e a expulsão dos vendedores do templo (21, 1-17), a maldição da figueira estéril (21, 18-22), a parábola dos dois filhos (21, 28-32), a parábola dos vinhateiros homicidas (21, 33-46), a parábola do grande banquete de casamento (22, 1-14), e sobretudo as palavras duras de Jesus contra os escribas e fariseus hipócritas (capitulo 23). Produzem-se polémicas com todos os adversários: os fariseus (19, 1-9), sacerdotes (21, 15-17; 21, 23-46), os fariseus com os herodianos (22, 15-22), os saduceus (22, 23-33) e outra vez com os fariseus (22, 34-46).
O discurso deste sexto livro é chamado “discurso escatológico”. A palavra “escatológico” vem do grego “ésjaton” e significa “último”. Entende-se, então, que é o discurso que se refere “ás últimas coisas”, o sermão “sobre o final”.
Ao sair do templo, os discípulos dizem a Jesus que o templo é magnífico (24, 1), ao qual Ele lhes responde: “…não ficará aqui pedra sobre pedra…” (24, 2), e fá-lo referindo-se a um facto que irá ter lugar no ano 70, isto é, quarenta anos depois da morte de Jesus. Para falar da futura destruição de Jerusalém e do templo, Jesus usa o mesmo vocabulário que usam os profetas, quando estes falam do castigo do povo de Deus pelas infidelidades do Antigo Testamento. Esta destruição era como um símbolo do que acontece a cada homem, quando resiste perante a Palavra de Deus. Jesus também fala da destruição de Jerusalém como imagem de perdição daqueles que não O querem aceitar, nem à proclamação do Reino.
Ao anúncio da destruição de Jerusalém, segue-se outro: a vinda gloriosa de Cristo, ou segunda vinda do Senhor. Mateus disse que isto acontecerá imediatamente depois da destruição de Jerusalém (24, 29). Alguns pensaram que São Mateus se tinha equivocado (ou que se tinha equivocado Jesus), porque Jerusalém foi destruída e a segunda vinda do Senhor não aconteceu. Contudo, convêm olhar atentamente tudo o que diz o Evangelho de Mateus, porque ele ocupa-se várias vezes deste tema. Noutro momento disse: “Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra…não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem” (10, 23); e também: “…alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem com o seu Reino” (16, 28). No livro seguinte (A Paixão, capítulos 26-28) encontra-se uma frase similar, no momento em que Jesus está na presença do sumo-sacerdote e este pergunta-lhe se Ele é o Messias, o Filho de Deus. Jesus responde: “Tu o disseste. E Eu digo-vos: Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (26, 64). Por tudo isto, percebe-se que Mateus apresenta a Ressurreição de Jesus como a sua segunda vinda gloriosa. O final de Jerusalém e do templo é como um sinal visível do final da primeira parte da história da Salvação. Na última frase do Evangelho, a qual finaliza a obra de São Mateus, Jesus ressuscitado diz: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (28, 20). Com a vinda gloriosa de Jesus, já começa a instauração e a difusão do Reino no mundo inteiro.
Não se pode duvidar a quem está dirigido o Evangelho de Mateus: a uma comunidade de judeus ainda preocupados com a vinda gloriosa do Messias; uma comunidade que se encontra algo perplexa, porque ouve dizer dos seus compatriotas que aquele que tinha vindo, não é o Messias glorioso que eles esperam, e que ainda se tem de continuar a esperar. São Mateus responde, dando maior relevo a esta vinda gloriosa de Cristo, que é a sua Ressurreição. A ouvintes que podem sentir a tentação de menosprezar Cristo, porque a sua vinda não foi gloriosa, Mateus diz-lhes que o Senhor já está na glória e que vem todos os dias: vem na vida da Igreja, na celebração litúrgica, na actividade apostólica, na vida dos cristãos, etc., deixando bem claro que ainda falta uma consumação futura, como disse-o nas parábolas (13, 31-32). Perante a tentação de voltar ao antigo, Mateus diz-lhes que já começou uma nova etapa, e que tudo o anterior acabou com a destruição de Jerusalém.
Se o Senhor glorioso está para vir a todo o momento, é necessário estar atentos. Por isso, a última parte do discurso escatológico está dedicado às parábolas sobre a vigilância (24, 32 – 25, 39). Com diferentes parábolas ilustram-se as diversas situações, nas quais se deve vigiar, para que a vinda do Senhor não surpreenda os crentes sem a devida preparação.
Finaliza o sermão escatológico com uma descrição do Juízo final. Como no princípio do sermão se ocupou da destruição de Jerusalém como um sinal do Juízo contra todos aqueles que, mesmo tendo conhecido Jesus, não o quiseram receber, agora dirige-se àqueles que nunca viram o Senhor: os pagãos. Estes também serão julgados, e cada um receberá o seu prémio ou o seu castigo, por ter recebido ou não o Senhor. E se eles dizem que nunca O viram, Ele responde-lhes que O viram cada vez que viram a um dos “pequenos, seus irmãos”. Noutro momento do Evangelho diz-se que Jesus se solidariza com os seus discípulos (10, 40-42); agora repete-o, aplicando-o ao Juízo final. Os pagãos, que nunca viram Jesus, serão julgados pela forma em como trataram Jesus presente em cada um dos “irmãos mais pequenos”, que têm fome, sede, carências, estão doentes ou estão presos.
Este sexto livro, que na sua parte narrativa, mostrou os rostos dos que se opõem ao estabelecimento do Reino de Deus, termina com este discurso, no qual se diz que apesar de tanta oposição, o Reino chegará à sua consumação. E esta consumação começa na Ressurreição do Senhor. Ele já está na glória e vem a este mundo como Juiz universal: todos os homens serão julgados pela forma que o receberam, tanto aqueles que o viram na sua primeira vinda, como aqueles que o vêem agora presente nos seus “irmãos pequenos”.

12 – Sétima Livro: A Paixão e a Ressurreição (capítulos 26-28)

Assim como o primeiro, também este último livro está composto somente por narrações e carece de discursos. Ao narrar a Paixão, Mateus mostra a liberdade com que Jesus aceita o sofrimento, e de certa maneira, condena-o, porque conhece a vontade do Pai. Ao mesmo tempo, assinala a forma em que todos os passos da Paixão correspondem a um plano já elaborado, e que se encontra nas Sagradas Escrituras. Desta maneira, os sofrimentos e a morte de Jesus não significa nenhum escândalo, pelo contrário, são os caminhos previstos pelo Pai, para que Jesus chegue a ser constituído Senhor de tudo (28, 18).
Mateus mostra que é Jesus que tem a iniciativa, para que se vão dando os distintos passos da Paixão: Jesus anuncia aos seus discípulos como vai ser morto (26, 2) e “então” os sumos-sacerdotes decidem matar o Senhor (26, 3-4); Jesus fala da sua próxima sepultura (26, 12), e “então Judas” (26, 14-16) decide entregá-Lo para que o matem; Jesus pede para celebrar a ceia da festa da Páscoa, fazendo referência ao tempo da sua morte (26, 17-18); durante a ceia, Jesus anuncia aos seus discípulos que sabe que será atraiçoado, que conhece quem é o traidor (26, 20-25) e prevê as negações de Pedro (26, 31-35); ao celebrar a Páscoa, institui a Eucaristia, e ao mesmo tempo anuncia que esta é a última refeição que faz com os seus discípulos antes da chegada do Reino (26, 26-29); quando vêm para prender Jesus, Ele repete por duas vezes que tudo acontece “para que se cumpram as Escrituras” (26, 54-56); perante o sumo-sacerdote não responde nada em sua defesa, falando só mesmo, para testemunhar que Ele é o Messias que virá glorioso sobre as nuvens do Céu (26, 57-69); Judas suicida-se, como fez o amigo traidor do profeta David (2 Samuel 15, 31; 17, 23; Mateus 27, 5), para que se cumprissem as Escrituras (Mateus 27, 9-10); Jesus nem se defende quando é acusado perante Pilatos (Isaías 53, 7 e Mateus 27, 14); como ao justo sofredor dos Salmos, dão-lhe de beber mel e vinagre (Salmos 69, 22; Mateus 27, 34.48), e finalmente morre recitando um salmo (Salmo 22, 2; Mateus 27, 46); apesar da guarda romana, Jesus ressuscita e um anjo é testemunha (28, 1-8); Jesus aparece às mulheres (28, 9-10) e aos seus discípulos (28, 16-20). Nesta última aparição aos Onze, envia-os a implementar o Reino e promete-lhes a sua presença contínua até ao fim do mundo.

Conclusão

Mateus conduziu os leitores para que lessem “cristianamente” o Antigo Testamento. Mostrou o cumprimento de todas as profecias em Jesus. O Reino tão esperado já está neste mundo e os seus sinais manifestam-se humildemente nesta comunidade que preside Pedro e que se chama Igreja. Um dia, esta pequena raiz será uma grande árvore. Mas não se deve desesperar, porque por mais pequena e humilde que seja esta raiz, já é presença do Reino. No entanto, tem muitas fragilidades, estando misturada com o mal, mas no final o Senhor fará a purificação e o Reino chegará à sua plenitude. Entretanto, deve-se vigiar (24, 42-44) e rezar como se ensina no Evangelho de São Mateus: “Venha a nós o vosso Reino!” (6, 10).

2 comentários:

david santos disse...

Olá, Nelson!
Eu venho desejar um bom Natal a todos os seres do Universo.
Parabéns.

david santos disse...

Passei para desejar-lhe um bom final de 2007 e um bom ano de 2008.

Aproveito para LHE pedir que participe na blogagem colectiva que se está a realizar hoje, dia 17, em prol da menina Flávia

http://flaviavivendoemcoma.blogspot.com/